Este blog é para postar os artigos que são publicados no jornal A Folha Regional, de Getúlio Vargas, de autoria de Paulo Dalacorte.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As Margens do Abaúna

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

(Artigo 225, caput- Constituição Federal).

    Cada um de vocês leitores, deve fazer, no final de ano suas reminiscências. Um pequeno balanço dos prós e contras que aconteceram durante este pequeno período de vida. As minhas, faço na intimidade. Este ano, nos últimos dias, estive muito em volta de minha residência. Principalmente no fundo do lote de casa, que faz divisa com o nosso Rio Abaúna. Fugi um pouco dos colorados e suas provocações aos gremistas, na euforia de serem, como nós, campeões mundiais. E, principalmente, porque aquele é um local muito calmo e aprazível.
    Seguidamente ouço e leio histórias sobre o Abaúna. Mesmo neste jornal, saem artigos, poemas e crônicas. Até mesmo composições musicais já existem sobre ele. Dizer que a cidade se desenvolveu ao seu redor, que algumas vezes ele nos causa sustos com suas cheias e transbordamento, que nos fornece água, que atualmente está poluído é na realidade falar do óbvio. Obviedade que por vezes passam desapercebidas na correria diária, e seguidamente é saudável que se retome a memória.
    Pois nesta pausa de fim de ano, olhei atentamente para seu leito. Pouca água, muita sujeira e aquele ar de penúria. Então me recordei deste pedaço do Abaúna com que convivi mais intimamente. São do final dos anos 60 minhas primeiras lembranças do Rio. Antes de ser desviado, quando ainda passava pelo centro da cidade. Passeávamos, eu e meus amigos, num tonel de lata cortado. Obra do Dionísio Knerek, o Carqueja. Uma engenhoca onde cabiam no máximo quatro pessoas. Quando o Carqueja a jogava na água formava-se uma fila para desfrutar da navegação. Embarcávamos atrás da Oficina dos Melatti. Percorria uns cem metros, aproximadamente, até a marcenaria do seu Albino Grüber onde a barca era virada nos arremessando na água. Foi desta forma, simples e divertida, que a criançada da redondeza aprendeu a nadar.
    No inicio dos anos setenta houve o desvio do leito original. Fez, portanto, com que ele circulasse nos fundos de nosso terreno. Na época falavam que o motivo para tal feito eram os seguidos alagamentos no centro da cidade. Lembro que os trabalhos para concretizar tal obra necessitavam muita dinamite, pela formação rochosa do terreno. Sabia de antemão, como toda a vizinhança, que ao toque da sirene precisava me recolher para dentro de casa. Além disto, como se não bastasse, minha mãe me obrigava a ficar embaixo da cama. Dizia ser a melhor forma de se abrigar do perigo, pois a casa chegava a tremer
Do antigo leito canalizado aproveitávamos eu e meus amigos, antes de ser aterrado, para brincar com carrinhos de rolamento. Até corridas inventávamos em cima daqueles enormes tubos de concreto. Com o final das obras de canalização e o desvio pronto, o ponto preferido no verão tornou-se então o pequeno trecho nos fundos de casa. Nas suas margens, pescávamos, tomávamos banho e principalmente desfrutávamos da agradável convivência de um rio límpido e tranqüilo. Até nos dias de chuva achávamos o Abaúna o máximo. Porque a correnteza dele nos trazia flutuando do campo do Tabajara até a ponte da Alexandre Bramatti, num instante.
    Quando mais crescidos, nos meados dos anos setenta, o Abaúna já mostrava seus primeiros sinais de poluição e deteriorização. Começava a circular nele animais mortos, latas e outros dejetos que não combinavam com a sua forma digna e fraterna de tratar a cidade. Porém minhas necessidades pessoais já não incluíam o Rio Abaúna. O banho no verão não mais realizava nele e toda minha turma também estava com seus objetivos voltados para outras atividades. Provavelmente tenhamos sido a primeira e última geração que aproveitou este desvio do Rio Abaúna.
    Até que neste término de ano, depois de muito tempo sem atentar ao óbvio, me dei conta de quanto o Abaúna deve andar triste. Minhas filhas até hoje sequer desceram em seu leito, atrás de nossa residência. Pena senti das muitas gerações posteriores a minha que não puderam aproveitar o convívio que mantive em minha infância nas suas margens. Agoniza qual um doente na CTI que espera pacientemente sua hora de não mais circular pela nossa cidade. Quase seco, imagino deva estar chorando pela falta de gratidão que a população lhe dispensou nestes mais de 70 anos de história. E certamente lamentando como seria bom se a comunidade, de forma humana, pudesse limpá-lo, adotá-lo e deixá-lo correr. Livre, como ele deixou que cada um de nós pudesse ser criado a sua volta
    Sugiro a cada de um de vocês amigos leitores, que tirem uns minutos e olhem para o nosso Abaúna. Acredito que constatarão esta obviedade. E, certamente, irão se sensibilizar com tal situação. Quem sabe então, a iniciativa do poder público, de alguma entidade privada, escola ou mesmo a nossa possa iniciar uma campanha de revitalização, neste novo ano, de um patrimônio do município. Num primeiro momento com uma simples limpeza de suas margens. Após medidas que possam realmente tornar nosso Rio Abaúna novamente um encanto e o prazer das quentes tardes de verão para toda garotada getuliense. Além é claro de honrar o nosso mais antigo e ilustre morador com uma justa homenagem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário